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Cada uma destas pequenas cápsulas ovais de cor branca que se sobrepõem ao longo de todo o comprimento do intestino corresponde a uma dose de 10 gramas de cocaína. |
Chega à urgência acompanhada pela Policia do Sef, passada uma hora chega a Policia Judiciária que toma conta da ocorrência e da nossa "doente". Sentada num banco, isolada dos outros doentes, cabeça baixa, aguarda. Aguardamos todos que a medicação que fez assim que chegou faça efeito. Pode levar horas, já tem acontecido levar dias, depende tudo de muita coisa, da capacidade do seu organismo para eliminar resíduos, do peristaltismo intestinal, da reacção do organismo às várias drogas oralmente e endovenosamente administradas. É um processo complexo.
E foi um processo complexo a deglutição de 90 cápsulas de 10 gramas de cocaína, o que perfaz no total 900 gramas de cocaína ingerida em bolotas de pequena dimensão revestidas por uma película transparente, semelhante ao látex mas muito mais fina que o látex normal. Esta apresentava-se como cocaína em pó, mas também há cocaína liquida e muito mais difícil de detectar e claro também muito mais perigosa de transportar. Não vou falar do processo de transporte, de como são detectados os body packers ou correios de droga, na gíria chamados de "mulas", quais os sinais que os denunciam e como é feita a selecção "aleatória" dos escolhidos em cada voo. Isso não é importante para mim. Acabo sempre a falar com eles. Gosto de o fazer. Em diferentes línguas mas quase sempre na minha, em português do Brasil, ou em espanhol Colombiano ou Argentino.
Vou-lhe chamar Denise. É Brasileira, tem 25 anos e um ar bronzeado de menina de Copacabana, cheia de dias de praia, sol, calçadão e vida louca, mas percebo depois que não. Vem de Fortaleza, de uma zona pobre. Fala dos filhos que ficaram por lá. Fala do homem com quem vive que ocasionalmente lhe bate e a explora, fala do trabalho que não tem e dos biscates que faz à noite numa discoteca. Acho que não me quis dizer tudo mas eu entendi o resto. Ou pareceu-me entender, já não sei. Fala-me da proposta que lhe fizeram em fazer esta viagem à Europa. Pergunto-lhe quanto lhe pagam. Responde-me 5 mil euros. Acrescento que para o risco de ser presa e para o risco de morte inerente a todo o processo me parece muito pouco. Acabamos a falar em valores e na relatividade das somas. O que são mil euros no Brasil, ou na Europa. O que são 5 mil euros no Brasil e na Europa. O que compram de facto 5 mil euros no Brasil. A relatividade do valor do dinheiro. Remata com um - vocês europeus não conseguem perceber.
Fecho a boca. Oiço só. Não deixo que os lugares comuns e as palavras óbvias perturbem a enxurrada de palavras que saem, misturadas com lágrimas, misturadas com gestos de menina perdida e um constante olhar vazio. Não faço mais perguntas quando me diz que quando não se tem nada a perder, perder tudo é um mal menor. Fí-lo por necessidade, diz. Para mim 5 mil euros é muito, mas muito dinheiro e mudava muita coisa na minha vida. Poderia ir viver para outra cidade com os meus filhos, poderia fugir desta vida de miséria e de maus tratos, poderia ter uma casa, poderia conseguir ter um trabalho, poderia ter uma loja minha.
Poderia de facto. Mas nesta lotaria da vida, agora só pode mesmo é ser presa. E eu juro que pelo caminho disto tudo senti uma enorme pena.
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Todos temos um valor, todos somos comprados, corrompidos por uma soma. Todos sem excepção. Qual seria para cada um de nós o valor do risco ? 1 milhão? Quinhentos mil euros? Ou tão só o valor do medo?