É quase Natal e eu hoje vou contar uma história de amor, com A grande, verdadeira, e daquelas à séria. Porque me apetece.
O Pedro tem 34 anos é bancário vai para o trabalho num vulgar dia de semana como são quase todos os dias de manhã, saiu de casa dos pais onde mora e de repente em plena IC19, cai-lhe um viaduto pedonal em cima... assim sem mais nem menos, vindo do nada, sem culpa, sem razão, sem ninguém perceber. Apenas um acaso daqueles inexplicáveis, e por um mero acaso o Pedro vai para o sitio onde trabalho e entra na Unidade de Trauma onde é assistido e onde passadas muitas horas e muitos exames complementares de diagnóstico é informado pela especialidade de Vertebromedular que tem secção de medula e que vai ficar paraplégico. Brutal e sem papas na língua.
Esta história é vulgar. Nada de novo por aqui. O invulgar surge depois. Já ouviram falar de histórias de amor entre médicos e enfermeiras, fruto de muitas séries e ficção, esqueçam tudo o que viram, eu em 20 anos de profissão juro que nunca vi nenhuma. Esta é uma história de amor entre uma enfermeira e um doente, linda, perfeita, e porque ainda perdura, todos os dias é-lhe acrescentado um dado novo. A minha colega Ana Joana acompanhou o Pedro no internamento prolongado já noutro hospital (o da área de residência), nos tratamentos longos no centro de reabilitação, ajuda-o, ensina-o a sobreviver, anima-o, ouve-o, acarinha-o e a magia acontece, aquela coisa inexplicável quando dois seres se apaixonam.
Acabam por viver juntos e a Ana adapta a casa, manda colocar uma rampa na entrada do prédio, pegas de suporte na casa de banho, com adesivo marca um quadrado no chão junto à cama onde todos os dias devem ficar colocados os sapatos do Pedro para que de manhã se consiga calçar para ir para o trabalho, porque se ficarem por exemplo mais de lado ou debaixo da cama ele já não os alcança, colocou um banco dentro do poliban para que o Pedro tome o seu duche sentado e como enfermeira que é ensinou-lhe a entrar na casa de banho de forma autónoma e a usar um catéter vesical 3 vezes ao dia para que não ande algaliado e de saco de urina preso à perna.
Cada dia é uma vitória, cada dia o rosto da Ana ilumina-se com pequenas batalhas vencidas, uma a uma, pouco a pouco, numa luta imensa contra as dificuldades. Somos mulheres, somos muito amigas, demasiado cúmplices na equipa e somos enfermeiras, temos este à vontade de falar de tudo naturalmente, sem subterfúgios, meias palavras ou malícia. Sabemos como a Ana e o Pedro se tocam, o que cada um faz ao outro para conseguirem ter prazer, do uso de brinquedos eróticos, e estamos a par do carinho e generosidade do Pedro e das suas profundas limitações também. O Pedro está paralisado da cintura para baixo, com total perda de sensibilidade e com todas as implicações que isso tem, mas é o tal para ela.
Hoje a esta história de amor acrescenta-se um precioso dado novo. Aquele que poderá fazer toda a diferença. A Ana Joana tem 40 anos e já algum tempo que sonhava, num sonho vago e demasiado longínquo em ter filhos biológicos, e como por magia tornar o Pedro pai. Hoje entrou no serviço radiante, de olhos felizes e dou com ela a mexer no armário das seringas e a dizer: Vou levar daqui 3 ou 4 seringas de 20 cc, estimulei o Pedro no pescoço, na nuca e nos lóbulos das orelhas e consegui que ejaculasse, com estas seringas vou recolher o sémen e introduzi-lo em mim para ver se consigo desta forma engravidar.
Olhei para ela, abracei-a... ai miúda, Deus queira que consigas, um amor desses deve poder tudo porque só os amores com A grande são como o teu.