terça-feira, 5 de abril de 2016

Hora do xarope...



No meu hospital há por lá...

a solidão dos velhotes abandonados numa cama de hospital e mais os quilos de fraldas borradas,
os adolescentes bêbedos que me vomitam os pés,
as bebedeiras da malta da queima das fitas e das festas de finalistas,
as velhinhas simpáticas que me chamam ó menina,
as ciganas que me chamam ó dona,
os nem uma coisa nem outra mas que me chamam ó vizinha,
as gajas mal humoradas que dizem alto e bom som que são elas que me pagam o ordenado,
os estrangeiros que tropeçaram na calçada portuguesa e me fazem arranhar as línguas do mundo,
os meninos engraçadinhos que dizem a que horas sais? Posso esperar por ti?
os body packers que garantem que foi só desta vez, tiveram foi azar,
os G5 (código profissional para garrafões de 5 litros, alcoólicos topo de gama) já nossos conhecidos e quase sempre os mesmos a cada semana, 
as gajas boas de decotes grandes e mini saia tipo cinto que são homens e chamam-se Augusto ou Edson,
as gajas agredidas que choram que se fartam mas perdoam sempre e voltam sempre pelo mesmo motivo,

os que só querem desabafar,
os que sofrem em silêncio sem falar e sem nunca reclamar,

os de Leste que tentam beber os frascos de álcool puro que andam por lá em cima das bancadas enquanto nos distraem com tretas sem importância,
os árabes que convictamente se recusam a baixar as calças em frente de uma mulher,
os que engoliram uma espinha e os que engoliram a dentadura, 
o ladrão apanhado pela polícia que engoliu um fio de ouro, 2 medalhas da Nossa Senhora e 1 anel,
os do estabelecimento prisional que engoliram uma lâmina da barba e uma colher de sopa e estão ali para as curvas e para as fugas,
os toxicodependentes com overdoses,
os pastilhados regressados da noite,
os mendigos que procuram um tecto e as sobras das nossas ceias,
o agente que garante que não agrediu ninguém mas tem uma fractura de boxeur no 5º metacárpico e com ar de anjo afirma que caiu,
as senhoras com os olhos negros mas que ah e tal, bateram na chave do roupeiro,
ou o sr.qualquer coisa que meteu uma courgette no cu mas quer convencer-me que se sentou em cima dela: Foi um acaso menina!



Por último aparecem os outros todos. Os que tiveram muito azar, e os que apesar de tudo tiveram muita sorte. Não existem dias iguais. Nenhum dia se repete.

15 comentários:

  1. Variedade não te falta!
    Acho interessante estes 'resumos' que fazes do teu trabalho porque mostra bem a realidade, aquilo de que é feito o dia a dia de uma cidade grande e que passa despercebido a tanta gente.

    Beijos

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    1. PM: Um pedaço dos meus dias. Nunca há um dia igual. Alguns muito maus, outros divertidos.

      Beijo*

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  2. Uma festa portanto, quase diria antes, uma rambóia!!

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  3. É...
    ...também conheço a maior parte desses espécimes...

    :)

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    1. C. N. Gil: "Tipos" de gente muito concretos que quem está na Saúde conhece de gingeira.

      :)

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    1. SuperSónica: Como na farmácia... Dizem que uma pessoa só se confessa ao médico e ao padre. No hospital não dá para omitir coisas.

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  5. 😊 ... as vezes pensamos , se somos nos que não somos normais ... 😊

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    1. Paulo César: Não há uma regra definida. Cada um é como é. Lidar com a diversidade diverte-me.

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    1. Terapia das palavras: Nunca seria capaz. Essa frase não tem tradução. Não há regras (como disse no comentário anterior), não há um padrão correcto, não há uma norma. Ser normal não existe. cada um é como é e não há volta a dar-lhe.

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Diz aí nada ou coisa nenhuma.