São três e meia da tarde ainda vou a entrar ao serviço e já ela ali está sentada na sala de espera. Folheia uma revista. Aguarda a visita das quatro da tarde. Chama-se Vanda. Já lhe conheço os gestos. Beija-o primeiro na testa, faz-lhe uma festa suave na mão, depois na cara, ajeita-lhe a roupa, compõe-lhe a almofada e de seguida pergunta-lhe: então hoje como estás? ouve a resposta, sorri, acrescenta - tens que ter calma, muita paciência, estas coisas demoram mas vais ficar bom... e depois fala sem parar do filho. O que fez, as palavras que já diz, que perguntou pelo pai. Eu passo entre o espaço da cama e vejo-o atento e confortado pela proximidade do mundo de casa. Está feliz. Sai quando a hora da visita termina. Repete o ritual da chegada, um beijinho na testa, uma festa na mão, um toque de dedos na cara. Despede-se a dizer: Vou agora a correr buscá-lo ao infantário e dar-lhe banho. Ontem trouxe uma foto dele e do filho. O pequenito segura num boneco, acho que é um macaquinho de pelo. Pediu-nos para a pendurar sobre a cama. Abana agora metida dentro de uma mica, presa por uma fita de nastro ao suporte do cortinado.
São oito horas da noite. Chega apressada. Sem tempo. Vem sempre a esta hora. Traz encaixado nos braços um dossier, a mala à tiracolo, na mão a pasta do portátil. Chama-se Cristina. Diz boa noite, pergunta: posso? Sei que não são horas mas só consigo vir a esta hora. Peço desculpa. É desculpa. E todos nós sabemos. Mas dizemos-lhe que sim, pode entrar. Entra e nem despe o casaco, atira-se para cima dele, beija-o na boca, demoradamente, e deixa o corpo permanecer em cima dele por minutos. Ele diz-lhe: Sabes bem, cheiras tão bem. Puxa uma cadeira para junto dele e dá-lhe a mão. Ficam assim de mão dada. Ela fala baixinho e ele ri-se. De vez em quando ela enfia a mão por debaixo da roupa e acaricia-lhe a pele. Chega o tabuleiro com o jantar. Ela dá-lhe a comida. Põe um bago de uva na boca e beija-o. Da boca dele escorre sumo de uva. Riem-se mais. Despede-se com um vê lá se ficas bom que temos muitas coisas giras para viver. Ele pergunta-lhe: Voltas amanhã? Ela invariavelmente responde: Sabes bem que sim.
Gosto destas tuas estórias de vidas. Todos temos uma.
ResponderEliminarjinhooooossss
Suri: Teria tantas para contar se as pudesse aqui contar...Guardo-as para mim, são estórias com vidas.
EliminarBeijinhoooo
Só me ocorre uma palavra: F*-se!!!!
ResponderEliminarUm beijo pra ti.
Dear Daisy: Nós não imaginamos o que contêm a vida de um ser humano... algumas vezes, muitas vidas.
EliminarBeijo Daisy
Sei bem disso. Por isso gosto tanto de ler os pedacinhos de vidas que nos contas.
EliminarKiss
Dear Daisy: Fizeste-me sorrir:))))
EliminarVidas duplas, iguais a tantas outras por ai.
ResponderEliminarMaria João
Maria João: Em cada esquina vejo uma com varias estórias e diferentes formatos. Nunca nenhum de nós é estritamente aquilo que aparenta ser.
EliminarPresumo que na cama das duas estórias esteja o mesmo homem!
ResponderEliminarBeijo, sra enfermeira :*
Lia: O mesmo. O que é feliz em dois mundos.
EliminarBeijinho :)
E assim ele é feliz e possivelmente consegue amar e fazer feliz a ambas. adoro suas histórias AC. Não sou de comentar, mas visito quase que diariamente. És uma linda. Beijocas!
ResponderEliminarAndréa Ribeiro: Só posso avaliar pelo que vejo de fora e acredito que sim. Ele faz feliz ambas. Por estranho que pareça gosta das duas, de maneira diferente mas ama as duas. É giro...
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