Há dois dias fiz noite no hospital, foi uma noite daquelas que ninguém gosta, o diabo que é diabo foge a sete pés e os walking deads passeiam de riso trocista entre nós. Mudança de quinzena de férias, regresso para muitos, inicio para outros, chuva miudinha e piso molhado por essas estradas fora, e claro está que o resultado foram muitos sinistrados. A somar ao calendário e às diatribes do clima, a abertura da época dos fogos que já foi há um mês oficialmente mas continua em rentrées sucessivas a lembrar ao país que é verão por cá, mesmo que não pareça - por tudo isto trabalhinho nos costados não faltou.
Dei pela minha chefe de unidade com cara de caso, triste, de mal com a vida e com ela própria. Não que ela tivesse dito alguma coisa, não que tivesse sequer reclamado connosco ou comigo, ou eventualmente de alguma coisa também, mas são muitos anos de convivência, conheço-lhe o sorriso, o trato fácil, a boa disposição ou o olhar triste e o abrir de olhos e levantar das sobrancelhas quando um de nós mete a pata na poça e é hora de nos calarmos. É uma boa profissional, trabalhadora, uma boa pessoa, e tem sido uma boa chefe, justa, muito humana ( e ela não lê o meu blog, nem sequer sonha que tenho um, por isso não há aqui pontinha nenhuma de graxa ) e não é por acaso que a alcunha dela é a "mãe". A mãe de todos nós. A mãe sabe, a mãe ouve, a mãe ajuda, e a mãe já tem camuflado falhas que não deveriam acontecer mas que acontecem porque dizem que errar é humano.
Hoje quando passados dois dias - a saída de vela e a folga - regressei ao hospital, a primeira coisa que fiz foi aproximar-me dela e dizer-lhe: - Na última noite aconteceu alguma coisa com a equipa que corresse mal? Ou eu fiz alguma coisa de errado que seja necessário repreender? Achei-te tão triste, tão cansada, com um desgaste tão grande que se aconteceu alguma coisa tens que me dizer para podermos corrigir, a ultima coisa que eu quero e todos nós queremos é dar-te chatices e dores de cabeça. Foi imediato, agarrou-me nas duas mãos, e disse-me - não amiga, não foste tu, e não foram vocês, sou eu... e deixou que as lágrimas caíssem a quatro.
Puxei-a para o lado e tentei que falasse. Tentei, porque da boca dela só saiu um não quero falar disso, e um - não sou capaz, acompanhados de muitas lágrimas. Restou-me respeitar o seu silêncio. Se precisares de mim, de todos nós, conta connosco. Ainda ouvi baixinho, eu sei... Este eu sei, deu-me a certeza absoluta do facto de ela saber inequivocamente que pode contar connosco, como eu sei que posso contar com ela e com os meus colegas de equipa, e que esta única certeza é aquilo que move montanhas, transforma impossíveis num milhão de infindáveis possibilidades, muda dias cinzentos de tristeza e desgaste em turnos de gargalhadas e brincadeiras parvas, gente descontente, mal paga e mal reconhecida em gente grata à vida e aos outros.
Sabe ela. Sei eu. Sabemos todos nós. Sabem todos aqueles que passam muitas horas seguidas juntos em situações limite, em apoio e colaboração constante, em que a vida de um depende de todos, onde todos dependem da sobrevivência de cada um, e onde cada um sabe que um meio hostil só será hostil se o grupo não souber mudar o que é desconfortável para bem de todos. E isso cabe a todos. Eu por acaso sei!
Sabe ela. Sei eu. Sabemos todos nós. Sabem todos aqueles que passam muitas horas seguidas juntos em situações limite, em apoio e colaboração constante, em que a vida de um depende de todos, onde todos dependem da sobrevivência de cada um, e onde cada um sabe que um meio hostil só será hostil se o grupo não souber mudar o que é desconfortável para bem de todos. E isso cabe a todos. Eu por acaso sei!
AC; de vez em quando venho aqui ler-te como uma cronista inspiradora do quotidiano das pessoas que como eu e como tu fazem girar o mundo e outras vezes só quero ler-te quando pões umas asas e escolhes uma praia ou um trilho e vais na aventura.
ResponderEliminarQue bom ser teu amigo das palavras partilhadas:)
beijinhos do Joaquim
Bom domingo
Joaquim: São pedaços de mim que aqui relato, dias de vida sopradas ao vento para quem as quiser ouvir. Nada de muito importante, nada de coisa nenhuma, excepto para mim.
EliminarObrigada pela tua companhia nesta viagem pelas palavras.
Beijinho*
Eliminar"Unconditional love" . . .
ResponderEliminarwe all need this.
Rick Forrestal : All the world... with more uncondicional love the world will be a better place for all de humans.
EliminarKiss:))
Ainda bem que sabes e que tens uma boa equipa. E os doentes só têm a ganhar.
ResponderEliminarÉ que o mundo do trabalho anda muito estranho, doente... Atropelamentos, incêndios.
Escreves com alma e isso é muito bom.
Beijo.
Isabel pires: De forma geral é tudo boa gente. Gente com feitios muitos diferentes e diferentes ritmos e formas de trabalhar, mas boas pessoas e com bom coração. E quando alguém precisa de uma mão há sempre duas que aparecem...
EliminarObrigada.
Beijinho*
Saber que há alguém que se preocupa é inestimável!
ResponderEliminarJunto à Janela: Dependemos todos uns dos outros... também já precisei de uma palavra de força ou só de um sorriso. Os sorrisos então fazem maravilhas e são tão simples de dar.
EliminarEu percebo tão bem que ela não queira falar, porque eu sou igual. Mas o facto de não querermos falar, não significa que evitemos as palavras dos outros, sobretudo se forem de afecto e de ânimo. Mas há pessoas que não entendem isso e que se afastam e que fazem com que a nossa dor seja ainda maior. Que bom que ela está rodeada de gente que é gente!
ResponderEliminarGata: Já eu sou uma espalha brasas, digo o que me vai na alma na hora, refilo o que tenho que refilar se for caso disso, e não deixo nunca coisas entaladas na garganta por dizer. Sou atenta aos outros e percebo bem quando alguém está triste ou infeliz... E gosto muito que quando eu não estou bem leiam nas entrelinhas o que não digo .
EliminarNunca estivemos tão "ligados" uns aos outros e, no entanto, nunca estivemos tão longe de todos os outros... É dificil falar para lá do teclado e estamos cada vez mais isolados. Leva-a a beber um copo, mesmo contrariada. Obriga-a a falar, mesmo que ela não queira. Na verdade o que ela quer é apenas isso, falar...
ResponderEliminarSon da Mamã: Verdade... acho que tanta rede, Internet e aplicações de interacção conjunta nunca nos deixaram tão sós... e cada vez vemos menos...olhamos para fora, para o exterior e não olhamos para dentro.
EliminarOLá :-) já sigo o seu blog há muito tempo ,não diariamente mas muitas vezes. Nunca me deu para comentar e hoje ...não sei porquê ,provavelmente tem a ver com o adiantado da hora resolvi fazê-lo. Vou dando uma passagem pelas suas etiquetas mas procuro sempre as "cenas no trabalho". O modo como descreve tão bem uma realidade por vezes tão cruel faz-me pensar e admiro a forma como consegue passar essas situações que vive. Continue com a sua força e paixão no trabalho e desanuvie como tão bem o sabe fazer. Com continuar a vir aqui e quem sabe a comentar...um beijo sobretudo para os dias mais difíceis. Luisa
ResponderEliminarLuísa: Muito obrigada pela simpatia. Tenho dias melhores, tenho outros de cansaço extremo mas sou sempre atenta ao que me rodeia. e talvez por dar tanto valor á vida nunca me esqueço de viver.
EliminarE *
Eliminarà*
Correcção de erros...
É o que dá responder no tlm.
Beijinho Luísa:)