quinta-feira, 2 de junho de 2016

Dias a fio. Noites de merda.




Tive uma noite de merda. De merda mesmo! Trabalhei sempre sob um stress danado; há festas e festinhas e arraiais por Lisboa (arraiais de porrada ao que consta também) e acabei o turno numa ambulância medicalizada aos solavancos pelas ruas esburacadas de Lisboa, em desequilíbrio constante, agoniada pelas curvas e pela trepidação, capaz de vomitar em cima do doente e do médico que me acompanhavam, ou melhor... que eu acompanhava.

Para rir só mesmo os nossos diálogos, el doctor, era de nacionalidade cubana falava-me em espanhol, eu falava-lhe em português, e ele respondia-me num sorriso simpático: Non te entiendo, ao que eu repetia o que tinha dito num portunhol possível, um espanhol macarrónico mas julgo eu que "entendível". Perceptível só mesmo a minha cor cada vez mais amarela, num lindo tom matizado entre o castanho diarreia e o castanho esverdeado bosta de vaca tudo misturado com os vómitos que já não conseguia controlar.

Seguimos todo o caminho aos arremessos na ambulância, encontrões nas prateleiras, nos armários, e com direito a aterrar no colo dele - que ía sentadinho - uma vez. E claro... aos arremessos na língua. Ele falava-me em "caderas" "espalda" e eu não via cadeiras, e muito menos cadeiras de espaldar se é que essa merda ainda existe. Falava-me em rodillas, e eu olhava para as rodas da maca de transporte com cara de parva, "borra tudo", ai borro borro, daqui a pouco vomito-te nas perninhas que é um mimo. Caraças, porque é que não aprendi espanhol, tinha-me dado jeito. Caderas é bacia, rodillas é joelhos... pois ... borrar é apagar, desfazer.... não percebia patavina... népia e já não me encontrava em condições de raciocinar.

Cada vez me sentia pior, queria mudar as seringas no injector e já não via nada, sentia a velocidade debaixo dos pés, os objectos a deslocarem-se à minha volta, e o raio do destino que nunca mais chegava. Esta merda não anda mais rápido? El doctor hablava, hablava....mas eu desliguei...non te entiendo.
Vou apagar.

Acabei por chegar ao hospital da área de residência do doente, sentada no chão da ambulância, branca como a cal, com a cabeça enfiada dentro de um saco plástico, com um soro com metoclopramida enfiado no braço, e com uma vontade de regressar a Lisboa, num jacto particular, e de preferência sentada numa poltrona vip. Bastava-me um banho, uma cama quente, e os braços que sempre me abraçam.

Fiquei-me por um chá quente e um enorme abraço da minha colega Judy.

14 comentários:

  1. Tu precisas de mim, mulher! :-) Nada como uma felina bilingue para resolver conversas "lost intranslation"! :-) Se precisares, dou-te um curso rápido a troca de umas latas de atum! :-)

    PS: "cadera" é o quadril, vulgo anca; bacia é como em português "pélvis". uma dica grátis: "muñeca" é boneca... mas em anatomia é o punho.

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    1. Gata: A falta que tu me fizeste. Preciso urgentemente de um curso rápido de espanholês. Já aprendi uma coisa, não sabia que muñeca é punho julgava que era mesmo só boneca... e é uma palavra que no meu vocabulário hospitalar me vai fazer de certeza falta. Obrigada.

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    2. A tareca linda (eu!) vai enviar-te por e-mail alguns nomes anatómicos que sejam diferentes ok? E na volta do correio, já sabes, umas latas de atum! Não sou esquisita, pode ser marca branca! :-)

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    3. Gata: Já ouvi falar de um gato maltês que falava francês... agora uma gatinha riscada que fala espanhol e dá dicas na volta do correio ainda não. Mas há sempre uma primeira vez para tudo.
      Obrigada. Vai ajudar-me no relacionamento com os espanholitos lá do meus serviço - Espanhóis de Espanha, Cubanos, Argentinos, Venezuelanos e um Hondurenho.

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    4. Correção: eu não sou riscada, eu sou antracite, essa cor exclusiva para gatos especiais! :-)

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    5. Gata: Assim seja, gata especial. Especial de corrida?

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  2. Uma bela noite de "rumbulância", AC.

    Um abraço

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    1. Impontual: Foi mais uma noite de Kizomba... toda a noite catrapumba.

      :))

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  3. Acho que antes de tirares o curso de espanhol, precisas de tirar o curso de marinheira, desta feita, tão cedo não voltarias a enjoar!

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    1. L'Enfant Terrible: Não costumo enjoar... de barco então nunca e de carro só se for atrás. Não percebo o que se passou... tinha bebido leite e acho que o leite e os solavancos não combinaram.

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  4. ...hum... iniciei a leitura com o pequeno-almoço à frente... pois...


    :)

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    1. flor: E isto não é nada. Havias de passar uma noite lá no meu serviço entre bêbados de fim de noite no Bairro Alto... Malta mesmo gira. Aí é que era divertimento à séria.

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  5. Eu se for sentado de lado num carro, comboio, etc não demoro muito a ficar como tu. Safo-me com o espanhol mas não raras vezes digo aos clientes que vou dizer certas coisas em inglês senão ninguém percebe nada.

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    1. PM: Em viagens de carro se for no banco de trás enjoo, em viagens de barco até hoje nunca enjoei e já atravessei o Estreito de Gibraltar que é mau de passar, em Autocarros de Turismo já enjoei... depende.

      Espanholês arranho... apenas e só. Faço um esforço para os entender, ao contrário deles que dizem "non te entiendo" e pronto, ficamos por ali.

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Diz aí nada ou coisa nenhuma.