quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Dias difíceis...




                                                                            
Pois estou nos dias difíceis, esses  mesmo que estão a pensar e nos outros também. Toda a gente sabe que a vida não é fácil, ouvimos toda a gente dizer que isto só piora não melhora, e que a crise vai arruinar a economia e o já miserável país, mas sobretudo a boa disposição e alegria de um povo. Só oiço gente a lamentar-se, só oiço gente zangada, de mal com a vida, em sofrimento pelo que perdeu, pelo que teve e já não tem, pelo que quer ter e não consegue, pela vida difícil que têm.Quase todos reclamam da sorte, aliás da falta dela... e eu não sou excepção, ah pois, eu também.

Hoje falo do Ricardo... O Ricardo é um politraumatizado trazido pelo Inem de uma das praias da nossa costa por traumatismo grave da coluna cervical com possível luxação ao nível de C5-C6 após mergulho de uma rocha, apresenta perda de sensibilidade e deficit motor acentuado dos membros inferiores. Depois de sabermos o diagnóstico de entrada esperámos todos para que o impossível aconteça, o milagre se dê, e o Ricardo não fique Paraplégico, ou pior ainda Tetraplégico.

Tem uns olhos castanhos esverdeados lindos, luminosos, brilhantes, a pele bronzeada da praia por muito sol, demasiado - penso para mim que fujo do sol - tem uns cabelos loiros pelo ombro em total desalinho, vem de calções de banho e traz o cheiro a sal e a mar na pele. Na maca dos bombeiros observo-lhe o olhar doce, meio apavorado de um homem menino que espera o pior deitado num plano duro, imobilizado numa coquille e cheio de dores. Leio-o-lhe o medo, toco-lhe na mão, acompanho o gesto com um sorriso sincero e acrescento.... 
Calma Ricardo, vai correr tudo bem.

Do lado de cá, na consola da tac oiço o veredicto do destino do Ricardo, duro, sem direito a argumentação, sem sequer segunda escolha, ou melhor opção. Separados por um vidro observo os monitores, as linhas coloridas que oscilam num ecrã, e o ar sofrido mas esperançado do Ricardo. E dou por mim perdida em pensamentos de quem reclama de tudo, que vive na insatisfação constante pelo que lhe falta, que tem duas pernas para correr pela praia, saúde para viver, família e amigos para amar, e responde ao habitual: Como vai a vida?
Vamos indo, mais ou menos. 

Para o Ricardo vai ser sempre menos. Todos os dias. E eu que já pouco reclamava da minha vida aprendo mais uma lição, nunca devemos reclamar de barriga cheia, nada é mais importante que a saúde, nada é insubstituível excepto a vida.... e tudo resto são tretas.

41 comentários:

  1. Nem mais AC. Tento cada vez mais responder aquando da pergunta "como estás?" ou "como vai a vida?" responder dessa maneira. Nem sempre é possível, por que a felicidade ou a realização pessoal são sempre relativas e não poderia responder isso a quem me cumprimentasse após ter recebido o Euromilhões, mas quando comparado com um caso como o do Ricardo, eu sou o tipo mais feliz do mundo.
    Saúde ainda é o nosso bem mais precioso, por mais que nos esqueçamos disso via relativismo.
    Beijocas

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    1. Martini Bianco: A maior parte das vezes até somos felizes e não sabemos...a malta é esquecida.

      Beijo* Martini boy

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  2. E é mesmo! O resto são tretas.
    Num segundo podemos perder tudo. O que tem mais valor. O que damos por garantido.
    O resto... "vão-se os anéis, fiquem os dedos...", já dizia a minha bisavó!

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    1. Soneca: Nice nick...nem mais, o que é verdadeiramente importante são as pessoas.

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  3. AC é um facto...
    Todos se queixam da crise e da sorte... mas muitas familias andam sem dinheiro por burrice própria... de que vale usar as desculpas da crise?

    E pior mesmo é a falta de saúde!...
    Eu fui bombeiro... vivi (apesar de outra forma) de muito perto o que sentes...
    Bom dia!

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    1. Dj LionMaster: Bombeiros é uma classe profissional por quem tenho muito respeito, arriscam mesmo a vida por quem tentam salvar...sobretudo nos incêndios.

      Sem saúde nada feito, tudo o resto o tempo compõe.

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  4. Palavras tristes que nos levam a sítios difíceis de enfrentar. Obrigado pela partilha.

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    1. Helena: Os meus dias são normalmente tristes, lidar com pessoas em situações difíceis tem destas coisas...

      Obrigada por passares por aqui:)

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  5. "A esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero."
    Victor Hugo

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    1. João: Há sempre coisas boas, mesmo na total escuridão é possível ouvir sons felizes, é preciso é aprender a viver no escuro e apurar os outros sentidos...

      Beijo* Johnny boy

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  6. Vir aqui ler-te é sempre uma lição de vida.
    Dar valor ao que se tem é um dom minha querida nem toda a gente o sabe fazer.

    Beijinho

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    1. utena: Podemos ser felizes com o que temos, e por vezes só complicamos porque o que nos faz mesmo falta é o que não temos e provavelmente nunca vamos ter.

      Beijinho Ruivinha

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  7. É mesmo isso, entendo o que sentes cada vez que vez um "ricardo" é doloroso querer dizer "calma, vai ficar tudo bem" quando a realidade, sabemo-lo, é bem diferente.
    Por vezes o nosso "egoismo" faz-nos querer sempre mais e melhor e nem damos conta que temos esse "mais e melhor" que é saude para aproveitar bem a vida e o que ela nos oferece que é TANTO!
    Cabeça erguida e seguir em frente!
    Bjnhs

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    1. Bruna: O calma vai correr tudo bem é a mentira que repito mais vezes ao longo do dia...e muito poucas vezes as coisas correm bem.

      Beijinho*

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    1. Pulha Garcia: Também eu quando assisti a tudo isto sem conseguir fazer nada ou alterar um minuto sequer da vida dele. Dizem que os profissionais de saúde com os anos se habituam, ganham defesas, e ficam insensíveis, acho que os anos a mim tornaram-me ainda mais emotiva e revoltada em relação ao sofrimento alheio.

      Beijo enorme velho Pulha

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    1. Fogo: Um nada pode querer dizer muito.
      Gostei do teu nada:)

      Beijo Hot boy

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  10. E quando lê-mos coisas destas que só temos de agradecer pela saúde que temos. não imagino o quão díficil é para os Ricardos deste mundo verem perder autonomia de um segundo para outro, não imagino o que sentirás quando já nada depende de ti.

    Um beijinho para ti, és uma grande mulher e uma grande enfermeira, tenho a certeza!

    que a vida te dê muitos sorrisos.

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    1. aNaMartins:Nem eu consigo imaginar o que é dizerem-nos que perdemos a autonomia toda e que vamos ficar limitados e dependentes para toda a vida.

      Beijo*

      Obrigada

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  11. Valorizar o que se tem, nivelando por baixo, é um peditório para o qual muito raramente dou a devida moedinha.

    Pensar que se é feliz "porque só se partiu uma perna e há quem tenha partido as duas" é simplista porém. não amiúde, a âncora de muita gente. Não a minha, confesso.

    Beijo.

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    1. francisco: respeito o teu ponto de vista, estás no teu direito... mas é a minha somos naturalmente ingratos e damos por adquirido tudo o que temos.. pois a realidade é bem diferente nada é estático e o que hoje nem reparamos, que nos passa completamente ao lado amanhã pode fazer-nos muita falta...

      Ser feliz é dar valor ao que se tem...e podemos começar pela saúde por exemplo.

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    2. Francisco: é a minha opinião*

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    3. eeeehhhhhhhhhh, e nem um beijinho???? :)

      queres que fique tiste, queres? ;)

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    4. Ah, e eu posso dar valor à minha saúde....sem ter de a comparar com a de ninguém, somente porque me sinto bem e nada mais.

      Não te enfades comigo, ACzita...

      Outro beijo.

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    5. Kiko: Nada disso... não me entendeste. Jamais me aborreceria contigo, gosto de quem pensa diferente de mim, gosto de quem me mostra o lado b da vida, ou quem vê o mundo de outra perspectiva. Adoro aprender, e todos os dias alguém me ensina alguma coisa. Não é preciso compararmos o que temos com o que os outros não têm... falo de dar valor ao que tomamos por adquirido e não ligamos nenhuma..só isso.

      Não sei se agora me expliquei melhor..

      E dou-te um beijinho sim, depois de ter publicado os comentários reparei logo que me tinha esquecido, mas pensei que tivesses distraído e não reparasses, ou apenas não valorizasses...enganei-me.

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    6. "ou apenas não valorizasses...enganei-me" - de quando em vez lá acontece enganar-mo-nos, yep.... :)

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    7. francisco: Nem mais... e eu sou pessoa para reconhecer quando me engano, repito vezes sem conta que não sou perfeita.

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  12. Olha AC, isto é uma gaita, porque se vai tornar comum passar a vida a citar-te... Vais outra vez para o meu Facebook, que é o que mereces.

    Quanto ao Ricardo, a todos os Ricardos... o pavor do não retrocesso; o ficar a ver a vida a passar em slow motion e a pensar que que se perdeu numa fração de segundo... não desejo a ninguém... e não quero sequer pensar. Mas penso e muito no que dizes: que a vida que temos é um privilégio que idealmente deviamos valorizar sem necessitar de no way back nas nossas vidas,

    Bem-hajas, por mais este excelente post!
    Beijos!

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    1. Uma boa parte de mim: Estragas-me com mimos pah...ai ai que fico sem jeito.

      Dou muito valor ao que tenho... e não tenho tudo, ou tenho até muito pouco, perdi muita coisa que não vou conseguir recuperar, outras ficaram pelo caminho que nunca as consegui alcançar, mas nem por isso sou menos feliz.

      Todos os dias dou por mim a pensar que afinal tenho muita coisa, e muitos de quem eu cuido queriam ter apenas 1/3 do pouco que eu tenho.

      Beijo enorme:)

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  13. Querida AC, tens toda a razão! Obrigada por esta chamada "à terra", a todos nós.
    Beijinhos grandes.

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    1. Turista: Não me deixam tirar os pés do chão durante muito tempo. Assim que vôo, pumba..anda cá.

      Beijinhos grandes for you too:)

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  14. Aquele proverbio meio estranho que diz tudo: Saúde e paz e o resto vem atrás. :-) Eu também vi muitos assim, uns acidente outros que andavam mal informados e facilitam e depois tarde demais... temos a obrigação de sermos felizes porque é a vida preciosa, aproveitar enquanto ainda nos é facil (relativamente claro)por nós, pelos que não podem e por quanto eventualmente não pudermos também. é uma realidade dura, que não nos deixa indiferente, mas que passado uns tempos nos tras esta noção de valor, de preciosidade...e tudo o que achávamos tantas vezes importante, central, fulcral fica pequenino quando não existe nem saúde. A paz interior não depende tanta assim do exterior, mas a liberdade... oh! Ia fazer um comentáriozinho e onde isto já vai! Voltarei aqui! Um beijo (ao Ricardo... amor!)

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    1. Sofia: Muitas vezes damos demasiado valor aos objectos e menos valor às pessoas, na vida a única coisa verdadeiramente importante são as pessoas, tudo o resto é sempre substituível.

      Beijo* Sofia

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  15. Infelizmente muitos jovens vão continuar a achar que são os maiores, que são eternos, que podem fazer tudo e mais alguma coisa sem medirem as consequências porque o mal só acontece aos outros... quantos e quantos Ricardos é que não existem por aí e que tiveram que aprender a lição da pior maneira? Enfim, é triste, ninguém diz o contrário, mas a vida é sempre para a frente... E nós temos a nossa vida para viver, tal como os outros têm a sua. Por mais difícil que seja, a vida é para ser vivida. Porque viver é bom demais.

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    1. FireHead: Um castigo tão grande por um erro tão pequeno... um mergulho mal dado... será que não seria possível o perdão?

      Há mistérios divinos que me baralham...

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  16. Lembro de ver, há já alguns anos, o mesmo cenário mas reflectido numa menina de 12 anos. A causa, a mesma: mergulho no desconhecido e rochoso mar da nossa costa.
    Nem consigo imaginar o que lhes passará pela cabeça após a perda da independência que esta situação acarreta.
    Boa sorte para o Ricardo.

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    1. Catsone: Infelizmente é muito frequente...já foram feitas várias campanhas de prevenção, mas os resultados são praticamente nulos.

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Diz aí nada ou coisa nenhuma.