terça-feira, 10 de maio de 2016

Este blog que maioritariamente fala de nadadecoisanenhuma, às vezes (muito raramente) fala de coisas com um lado muito sério...


Como sei o que isto é... a propósito de um texto de uma colega de trabalho.

A pressão para vir trabalhar de graça (porque onde trabalho não pagam horas extra). Nem no teu nem em nenhum hospital, as horas ficam em Bolsa numa coisa nova inventada pela gestão hospitalar denominada Bolsa de Compensação que por detrás do nome pomposo traz escondida em letras pequeninas outra informação - horas a gozar quando houver pessoal para isso e o serviço o permitir. O pior é que o serviço nunca permite e ao fim de cada ano essas horas renovam-se e desaparecem como que por magia. Estavam lá para as gozares, não gozaste, problema teu.

A depressão que leva a baixas já relativamente frequentes. A falta de motivação e de reforços positivos. O aumento da emotividade (que muitas vezes nos faz até descarregar em cima dos colegas, que são os que estão mais à mão). O sentimento de impotência (queria transferência e não ma dão porque "não há ninguém" para vir para o meu lugar). Sabes quantos profissionais há na minha unidade com problemas de depressão? Seis pelo menos, (casos conhecidos) seguidos em consulta e medicados. E colegas que se suicidaram? Até agora já foram 4. Há mesmo quem não aguente as dificuldades da falta de sono, a pressão diária a que estamos sujeitos, a morte, e toda a dor a que assistimos impotentes mas sempre com um sorriso de força e uma palavra de esperança no rosto para com os outros.

A vontade de chorar no trabalho. Os ataques de choro no carro e em casa (às vezes começam já no parque de estacionamento do hospital. Ver as folgas como um oásis. (depois passá-las a dormir, exausta, triste como um trapo). A vontade que dá de mandar tudo à merda quando nos pedem ainda projectos extras, e formações adicionais, e actualizações constantes e no fim ainda nos atiram com as obrigatórias certificações de qualidade. Temos que nos manter actualizados, fazer formação continua continuamente, apresentar trabalhos nas sessões cientificas do hospital, posters ou trabalhos em congressos, ser avaliados, cumprir todos os requisitos, e pelo meio aceitar tudo o que nos é imposto sem reclamar. Somos números, somos produtividade, os doentes já não são apenas doentes, são utentes ou clientes, temos gestores de camas, gestores de material e custos, auditorias, avaliações de desempenho.

Estou nas Ilhas, mas a realidade é transversal. Aí, aqui, em Alguidares de baixo ou em Freixo de Espada à Cinta é tudo igual em Portugal.


Somos números, carne para canhão, despojos em socas, com o peso do mundo em cima, agrilhoados na pior prisão de todas... com a doença e a morte ali ao lado.


Nurse Susan


Por todo este esforço, e para quem pensa que grande responsabilidade, abnegação e vocação são bem pagas. A realidade é esta...

A remuneração / hora é de 6.50. E mais 25% do valor hora aos sábados, 50% do valor hora aos Domingos e Feriados - Natal e Fim do Ano incluídos. (dão qualquer coisa como mais 26 euros por turno (3.25 euros à hora, vezes 8 horas de trabalho) ao qual vão ter ainda que deduzir todos os impostos à taxa em vigor, como tal o resultado é pouco mais do que 20 euros por prescindirmos obrigados de estarmos em família, com amigos, de vermos os filhos abrir os presentes, enfim com os nossos. No meu caso que sou enfermeira graduada com vinte anos de serviço e uma pós-graduação, a remuneração é 8.50 à hora. Há dez anos que temos as carreiras congeladas e há dez anos que não temos qualquer aumento de ordenado, nem uma décima percentual. Há 3 anos que fazemos mais 5 horas semanais, 20 horas por mês que perfazem 240 horas anuais sem receber mais um cêntimo. Se precisam de pessoal que paguem as horas a mais, nada contra.

E sim já me aconteceu vir no caminho para o hospital e os joelhos tremerem-me de tal forma que batiam no volante, e é entrar no hospital para fazer um turno e não saber se vou ter que seguir horário e a que horas vou sair, é ter coisas combinadas e ter vida para além do trabalho e ter que desistir de tudo porque tenho que cumprir mais do que devia porque assim mo exigem. É sentir medo de perder o emprego. É a pressão todos os dias. É ter medo de falhar. É calar muita coisa porque assim é preciso. É contar até dez e respirar fundo. É fechar os olhos e fingir que não vejo. É dizer siga à falta de condições de trabalho, ao material que não presta, e a tudo o que não posso mudar. É obedecer sem querer saber as razões.

E é de facto tanta coisa...

25 comentários:

  1. Essa realidade não é só tua e da tua profissão. Infelizmente.

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    1. Isabel: Infelizmente não.... Mas trabalhar o Natal ou no Fim do ano por mais 20 euros pelo turno não me apetece...Não estou nem aí, a vontadinha era mandar tudo à merda e bazar para bem longe e que ficassem cá os senhores governantes a cuidar dos doentes por mais 20 euritos. Isso é que era de valor!

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  2. ... pequenos grandes gigantes.
    Vivemos com o pouco que temos.
    Lutamos com o que encontramos.
    ...somos o que somos.
    Somos na verdade, presos livres.

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    1. Paulo César: Toda a gente luta por um futuro melhor, por um lugar ao sol, todos sem excepção....

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  3. Basicamente, e perdoa-me o termo, é uma bela merda. Tanto se fala em direitos humanos e tal, mas o que é facto é que a exploração laboral existe, sob a forma encapotada, e poder-se-á dizer que só se deixa explorar quem quer, mas não é bem assim, por vezes o sentido do dever a isso obrigada, a juntar a isso, o próprio receio de perder o emprego, que muitas vezes é o pouco que se tem e do qual até se gosta, até se tem vocação, mas podia-se fazer mais e melhor se melhores condições houvessem. E pelo meio existem os outros, os que se sentam no topo e jogam com quem trabalha como se fossem peões num tabuleiro de xadrez, preocupados com o bater da relógio para irem para as suas vidinhas, queixam-se também de muito, de como mandriões são os que trabalham e por esse motivo não ganham um louvor ou uma bonificação. A esses últimos, espero que quem possa, lhes dê a injecção sempre com a agulha mais grossa, porque as outras acabaram!

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    1. L'Enfant Terrible: Estou cansada desta merda, de ganhar tremoços, de trabalhar que nem uma mula, de me ser exigido tudo e não me ser reconhecido nada. Estou cansada... eu que adoro o que faço, que sempre disse que tinha nascido para isto estou no limite das minhas forças. Vamos ver o que vai acontecer daqui para frente, guardo uma secreta esperança que só pode melhorar.

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  4. Quando me sinto exaurida...e chupada até ao tutano pelas bestas que tenho como patrões...penso nas pessoas (apenas um exemplo infelizmente) que foram entrevistadas ainda há dias numa reportagem da RTP sobre trabalho precário/escravo: Gente que pagou 600€ para fazer um curso de formação (ou seja agora em Portugal paga-se para trabalhar) sem qualquer garantia de serem selecionados para ficar na empresa...ou aquelas desgraçadas que trabalham em call centers que nem licença para irem à casa de banho têm!!!... penso em tantas realidades muito piores que a minha...e acabo por sentir que não tenho direito nenhum em queixar-me. A mim o que me desespera é não ver luz ao fundo do túnel.
    A outra besta afinal tinha razão: "E o português aguenta?!"...pelos vistos....aguenta, aguenta!

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    1. Suricate: Há sempre que esteja muito pior e é uma verdade que no meio do que vejo me sinto uma sortuda. Não me queixo... desabafo apenas pela enorme injustiça que tudo isto é e não vejo fim à vista. Contentava-me em trabalhar mas ser paga por isso, condignamente, não estar a receber o mesmo que uma empregada a dias que não tem uma licenciatura, nem uma pós graduação, não passa recibo, não paga irs e etc... Enfim, são desabafos.

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    2. quem* correcção de erro.

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    3. Concordo totalmente contigo...entendo o desabafo (acontece-me tantas vezes...) e ainda te digo mais: E ter 2 jovens filhas e saber o que as espera?!?! ...É uma angústia constante no estômago!

      jinhoooossssss minha querida, pila dura esta!!!perdão, vida, vida muito dura!!!! Que teimo tal como tu de levar a sorrir, dê por onde der:) sempre a sorrir!

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    4. Suricate: Não levo a vida demasiado a sério, e muito menos a mim mesma, mas que é preciso força e um sorriso nos lábios lá isso é...

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  5. Tens sempre uma boa solução. Vencer o medo e procurar outra coisa ;)

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    1. Jedi Master atomic: Não se trata de medo, eu não tenho medo em arriscar, mas para qualquer lado que vá dentro do nosso país o cenário é o mesmo ou ainda pior. Só seria melhor se eu estivesse disposta a ir para a Arábia saudita, ou para os Emirates Árabes, ou para Inglaterra por exemplo... e não estou. Essa hipótese está fora de questão, não quero ser emigrante, não quero sair do meu país, não quero viver longe dos meus amigos, da minha família, de quem amo... Dizes tu então: - Então se não queres aguenta! É o que faço mas não devia ser assim, o teu país devia ter condições para exerceres a tua profissão de acordo com as tuas competências e ser reconhecido e pago por isso de forma justa. É óbvio que não queria ganhar o ordenado do primeiro ministro, ou de um gestor de topo, mas 6.50 à hora eu sei e toda a gente sabe que para a minha profissão, pelo que envolve emocionalmente e fisicamente, pelo desgaste das noites, dos turnos, também não é justo.

      :))

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    2. AC,

      Então se não queres aguenta! looool

      Agora a sério, já pensaste em ir para o privado?

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    3. Jedi Master Atomic: Não conheces mesmo a realidade da saúde, da enfermagem.Estás a leste...

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  6. É assim que começam as ditaduras, esvaziando-nos da nossa dignidade, do nosso sentido de valor, isolando-nos de muitas formas, até que desistamos sequer de pensar que tudo isso está errado.

    Por isso é que desisti da minha formação base e me estou a atirar a um negócio, para que, pelo menos eu e as pessoas que trabalharem comigo, possam ter um trabalho digno que não implique exploração.

    Um abraço apertadinho para ti

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    1. Carla: É mesmo. Lutar pela sobrevivência sem tempo nem forças para mais nada ocupa todo o tempo disponível. Trabalhar por conta própria também é uma tarefa arriscada, espero que seja à medida do teu sonho. É proibido desistir dos sonhos.

      Beijinhoooo grande:)

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  7. Numa escala diferente em termos de responsabilidade (não tenho, felizmente, de cuidar a saúde de ninguém sob a minha responsabilidade)em identifico-me com estes problemas, injustiças e falta de reconhecimento. Ser emigrante já devia bastar mas por vezes os nossos compatriotas imigrantes conseguem ser mais filhos da mãe do que qualquer outra pessoa...

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    1. PM:Pelo menos o valor da mão de obra no estrangeiro (dentro da Europa) é mais elevado... ninguém ganha 6 euros à hora, nem com a função mais desqualificada.

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    2. Ha emigrantes bons e emigrantes maus. Eu sou emigrante e conheco pessoas com que me identifico e outras nao. Uma coisa eu sei, a vida no estrangeiro nao é facil. Nao se trata de dinheiro.. mas sim estar longe das pessoas que amamos... hoje os nossos pais têm 60-70 anos e se nôs nao tivermos com eles agora, quando vamos estar? quando morrermos? Mas se for para Portugal agora para poder estar com os meus pais e depois vou voltar emigrar quando?? aos 50?? A mim o que me custa é a familia, porque os amigos cada um segue a sua vida. Depois temos ainda o "amigo" estado de Portugal que mete leis estupidas que acabam por afastar os reformados e investidores emigrantes.

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  8. Eu sou emigrante e também estou farto da minha vida. So me apetece mandar tudo para o caralho.. Que raio de vida que tenho, trabalho - casa, casa - trabalho, nao tenho tempo sequer para me coçar. Todos os dias penso serà que vale a pena?? Dar cabo da saude fisica e psicologica por causa de dinheiro? que raio de mundo onde vivemos que tudo gira à volta do dinheiro.
    Enfim... Resta-me encontrar forças naquilo que amo para nao desistir...

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    1. Anónimo: O segredo é tentar estabelecer um equilíbrio de forças, um meio termo, aquilo que eu defino como "nem sempre, nem nunca". Tens que ser tu a encontrar esse equilíbrio. Tens que sair (mesmo sozinho) e fazer pequenas coisas que gostas e que te dão prazer. Ninguém vive só de trabalho, todos precisamos de pequenos prazeres.

      Lutar e não desistir:))

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    2. Gostei do texto que escreves-te e se mesmo com isso tudo, chegares a casa ainda cozinhares para a familia, passar a ferro, cuidar da casa, cuidar dos filhos (pai e filhos), sim que os homens sao como os filhos, e ainda tiveres brio para te arranjares e vontade para sair , digo-te és uma grande mulher! Hoje em dia ja nao ha mulheres como antigamente. Eu ainda conheço algumas que apesar de todos os sacrificios nem se queixam e lutam. Hoje podemos pensar que a vida é dificil, mas ha 30 anos atràs nao seria bem mais dificil? deixo a questao

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    3. Anónima: Faço 80 horas semanais de trabalho há muitos e muitos anos. Dou o melhor de mim e no intervalo do trabalho vivo intensamente tudo o que me dá na gana, amores, viagens, amigos, fds, trekkings, loucuras, perigos. Se sou feliz assim? Sou sim.
      Se queria outra vida para mim? Não... Talvez apenas trabalhar um pouco menos, mas um dia vai ser possível, estou a tentar brevemente mudar isso.

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Diz aí nada ou coisa nenhuma.