Chama-se Isabel. Chega à urgência de cara ensanguentada, nariz meio à banda e um olho todo negro. Já é minha conhecida, já é nossa conhecida. De todos nós. Ensaio educadamente a mesma pergunta de sempre, esperando não ouvir a mesma resposta de sempre.
- Então Isabel o que a traz por cá? Responde-me a olhar para o colo, sem nunca levantar o olhar para mim.
-Caí.
-Então Isabel mas caiu outra vez, ultimamente tem caído todas as sextas feiras, é alguma coisa relacionada com o calendário? Olhe que nem todas as sextas feiras, são sextas feiras treze.
Nada. Silêncio absoluto num rosto comprometido na mentira e envergonhado. Acabo por meter a foice em ceara alheia. Não tenho nada a ver com isso, a vida é sua, mas não quer que acreditemos que cai repetidamente quase todas as sextas feiras pois não? A Isabel é agredida e só depende de si acabar com isso ou não, mas para isso tem que parar de esconder, tem que apresentar queixa na polícia, tem que se mexer e fazer com que algo mude para que de facto possa mudar.
Nada. Silêncio de novo e uma cara de parva estampada como se não percebesse patavina do que lhe quis dizer. Deu-me raiva, detesto gente que se lamenta e não faz nada para mudar o que lhe faz mal. Terminei por ali. Não tenho jeito para dar missa, nem alma de padre e muito menos sou conselheira matrimonial. Peço-lhe Rx da Face e dos Ossos Próprios do Nariz e encaminho-a para a cirurgia que por sua vez a deve despachar de corrida para a cirurgia Maxilo-facial e dali numa viagem à velocidade da luz para casa.
Chamo o doente seguinte ao som, e continuo com o que estava a fazer. O doente seguinte é uma senhora que ao entrar e sentar-se, diz-me de rajada...
-O que é que a minha vizinha estava cá a fazer?
- Não lhe posso responder a essa pergunta. Mas aquela doente é sua vizinha?
- Se é. Há anos que oiço pelas paredes a voz do marido quando chega a casa bem bebido a dizer-lhe: Tira os óculos que vais apanhar! Se ela se demora a tirar os óculos - usa uns óculos de lentes grossas, garrafais e sem eles não vê nada - ele insiste aos gritos, ai a merda... tira os óculos que vais levar! E é isto há anos...
E vai continuar a ser assim. Para salvar alguém é imprescindível esse mesmo alguém querer ser salvo.