Tive um dia de merda. Trabalhei todo o dia sob um stress danado, e acabei o turno numa ambulância medicalizada aos solavancos pelas ruas esburacadas de Lisboa, em desequilíbrio constante, agoniada pelas curvas e pela trepidação, capaz de vomitar em cima do doente e do médico que me acompanhavam, ou melhor que eu acompanhava.
Para rir só mesmo os nossos diálogos, el doctor, era de nacionalidade cubana falava-me em espanhol, eu falava-lhe em português, e ele respondia-me num sorriso simpático: Non te entiendo, ao que eu repetia o que tinha dito num espanhol macarrónico, mas entendível. Perceptível só mesmo a minha cor cada vez mais amarela, num lindo tom próximo do castanho diarreia, e os vómitos que já não conseguia controlar.
Seguimos todo o caminho aos arremessos na ambulância, (aterrei ao colo dele uma vez) e aos arremessos na língua...ele falava-me em "caderas" "espalda" e eu não via cadeiras, falava-me em rodillas, e eu olhava para as rodas da maca de transporte, "borra tudo"...caraças, porque é que não aprendi espanhol, hoje dava-me jeito, caderas é bacia, rodillas é joelhos...pois...borrar é apagar, desfazer.... não percebia patavina..népia.
Cada vez me sentia pior, queria mudar as seringas no injector e já não via nada, sentia a velocidade debaixo dos pés, os objectos a deslocarem-se à minha volta, e o raio do destino que nunca mais chegava, el doctor hablava, hablava....mas eu desliguei...non te entiendo.
Vou apagar...
Acabei por chegar ao distrital da área de residência do doente, sentada no chão da ambulância, branca como a cal, com a cabeça enfiada dentro de um saco plástico, com um soro com metoclopramida enfiado no braço, e com uma vontade de regressar a Lisboa, num jacto particular, e de preferência sentada numa poltrona vip.
Hoje apetecia-me um chá quente, um abraço imenso de mãe...ou só um abraço.