sábado, 29 de outubro de 2011

5 verdades, num episódio de urgência.....

                                                                         

Coisas absolutamente idiotas que sucedem, enquanto faço a triagem de um episódio de urgência....

Eu,

para uma paciente do sexo feminino, 65 anos...
Então, diga-me o que lhe aconteceu para vir à urgência?
Desmaiei.
Começo a registar todos os dados...e início a segunda questão, que vai determinar o grau de prioridade.
Então e desmaiou há mais ou menos quanto tempo?
Há três anos......

Ah.....pronto, ainda vem a tempo.

Eu,

para um paciente do sexo masculino, 55 anos...
Qual o motivo porque vem à urgência?
Ai, sabe lá... tenho uma sensação de frigideira a estrelar no ouvido esquerdo, e de panela de pressão a bater no ouvido direito.

Tive que me conter para não me desatar a rir...só porque parecia mal.

Eu,

para um paciente do sexo masculino, 53 anos....
Vem à urgência porque motivo?
Olhe menina, digo já que é para perceber... venho cá porque dava três por semana, e agora já só dou duas.

Tem 53 anos e ainda dá duas por semana...amigo, nada mau, não se queixe.

Eu,

para um paciente do sexo masculino, 44anos...
Conte-me o que o traz cá.
Sabe apanhei uma granda tosga ontem, e tudo bem...só um bocado bezana e tonto
e hoje olhe, veja...espreite aqui...há bocado vomitei isto...
E tungas salta com um balde meio de vomitado, e pespega-me com ele em cima da secretária, bem pertinho da minha cara.

Eh lá....obrigada mas já almocei hoje.

Eu,

para um paciente do sexo masculino, 27anos...
Então o que lhe aconteceu?
Estava a jogar à bola com o people do meu bairro, e torci o pé.
Há quanto tempo?
Pá que cena, tanta pergunta...tás a ver, aí meia hora..
Mostre-me a tibio-tarsica para ver o edema presente.
hahhh....Toma lá que assim vês tudo...
Agarra no pé e toma lá que já comes....espeta com o pé nojento em cima da secretária...em jeito cowboy.

Cowboys...gosto muito, mas no Far West.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pormenores que fazem toda a diferença....



Sou monitora de estágio de três alunas do 2º ano, novinhas, e muito engraçadas. Usam adereços divertidos e cheios de bonecada, elásticos no cabelo com peluches, ganchos com flores, canetas com Hello kitty's, e unhas com riscas e purpurinas, tudo muito colorido e néon.
A minha equipa alcunhou-as de Teletubbies.

As Teletubbies passam a vida a bichanar entre elas, com muitos risinhos e cumplicidades que nós não entendemos mas que de certeza fazem parte de um código, como se de uma sociedade secreta se tratasse.

Hoje recebemos um paciente do sexo masculino, de 44 anos, politraumatizado por queda de andaime, altura aproximada 8 a 10 metros, imobilizado em plano duro, que apresentava à entrada Score 12 - tabela de Glasgow, tala no membro inferior esquerdo por suspeita de fractura na diáfise do fémur, e suspeita de forte contusão torácica com fractura de costelas à esquerda.

Iniciámos os procedimentos habituais para os quais existem protocolos apropriados e que incluem transferência do doente no plano para mesa radiotransparente, para efectuar exames complementares de diagnóstico e terapêutica- Rx, monitorização de parâmetros vitais, colocação de acessos venosos, e indução de terapêutica.

Toda a equipa concentrada nas suas tarefas, quando oiço as Teletubbies baixinho, comentarem entre elas...
Olha,olha....eh,eh...já viste...o doente está com uma erecção!
Os que estavam mais perto delas, eu incluída...ouvimos....
Parou tudo... Silêncio...e finalmente olhámos para o doente,
porque de tão atarefados que estávamos, ainda ninguém tinha reparado nesse "grande" pormenor.

Uma erecção num politraumatizado, nome técnico correcto Priapismo, significa compromisso vertebro-medular grave, com provável fractura de coluna e secção de medula.
Todos os procedimentos a partir de agora são alterados.
Iniciou-se logo terapêutica para lesão medular, algaliação, e prioridade máxima na ida à TAC  para realização de TC da coluna lombar com cuidados acrescidos na mobilização e transporte.
No exame de tomografia computorizada veio-se a confirmar a pior das hipóteses - Lesão vertebro-medular grave ao nível de L1, com eventual paraplegia permanente dos membros inferiores.

Avaliação final:
As minhas Teletubbies são raparigas interessadas, muito atentas e que olham sempre para os sítios certos!



sábado, 1 de outubro de 2011

About nothing...nothing at all.


Eu nunca choro, as lágrimas podem-me chegar aos olhos, deixarem-mos brilhantes e cheios de água, mas não caiem.Teimam sempre em não cair, aperta-se-me a garganta, nasce um nó no esófago, o estômago contrai-se e dói, mas consigo, sou teimosa que nem um burro e as lágrimas não caiem.

Quando era pequena no colégio diziam-me: Chora rapariga. Então tu não choras? Então já vais ver como é, e a ver vamos senão choras...eu ficava encarnada de raiva, mordia o lábio inferior, mas nunca chorava, nunca lhes dava essa satisfação...cresci, mas continuo igual.

Ontem em conversa com um amigo, ele entre várias coisas que me chamou, utilizou os termos fútil e vazia de conteúdo para me caracterizar...e nesta altura os meus olhos pumba...traíram-me e encheram-se de lágrimas, disfarcei, coisa que faço muito bem, senti o nó na garganta, engoli em seco e continuei a conversa com se nada se tivesse passado e eu fosse de pedra.

Dei por mim a analisar-me e a tentar perceber porque é que passo essa imagem para as pessoas que estão à minha volta.... Gosto de me rir, rio-me muito, inclusive de coisas sem pés nem cabeça e que são perfeitamente parvas, sou sarcástica quase sempre, tenho uma postura em relação à vida de quem não se rala com coisa nenhuma, e estás-se nas tintas para o que a rodeia.

Raramente vejo notícias, nunca ando actualizada, não tenho qualquer interesse em saber qual a dimensão do buraco na Madeira, ou se o White Castel participou em orgias ou não, e os programas de televisão são tão maus que passam-me completamente ao lado.

Vivo numa bolha criada por mim onde só cabem todos aqueles que amo e que me amam, o meu trabalho, e a palavra aprendizagem... que me permite aprender a ser melhor pessoa, mais competente profissionalmente e a sobreviver a nível emocional. Este manto da invisibilidade criado por mim protege-me de tudo e não deixa nunca que as emoções sejam elas quais forem se sobreponham à razão.

Hoje apertei a mão de uma senhora com uma leucemia aguda, que me disse baixinho: Sabe uma coisa...eu hoje vou morrer, já me despedi do meu filho e mandei beijinhos para o meu netinho, porque vou morrer.
Que disparate, vai agora morrer, morrer vamos todos...um dia. Mas o seu dia ainda não é hoje vai ver, vai melhorar e ainda vai contar muitas histórias ao seu neto para ele adormecer...
Minto bem. Cada vez melhor.... A doente quatro horas depois... faleceu.

Assim concluo que sou mesmo fútil e vazia de conteúdo....