Como sei o que isto é... a propósito de um texto de uma colega de trabalho.
A pressão para vir trabalhar de graça (porque onde trabalho não pagam horas extra). Nem no teu nem em nenhum hospital, as horas ficam em Bolsa numa coisa nova inventada pela gestão hospitalar denominada Bolsa de Compensação que por detrás do nome pomposo traz escondida em letras pequeninas outra informação - horas a gozar quando houver pessoal para isso e o serviço o permitir. O pior é que o serviço nunca permite e ao fim de cada ano essas horas renovam-se e desaparecem como que por magia. Estavam lá para as gozares, não gozaste, problema teu.
A depressão que leva a baixas já relativamente frequentes. A falta de motivação e de reforços positivos. O aumento da emotividade (que muitas vezes nos faz até descarregar em cima dos colegas, que são os que estão mais à mão). O sentimento de impotência (queria transferência e não ma dão porque "não há ninguém" para vir para o meu lugar). Sabes quantos profissionais há na minha unidade com problemas de depressão? Seis pelo menos, (casos conhecidos) seguidos em consulta e medicados. E colegas que se suicidaram? Até agora já foram 4. Há mesmo quem não aguente as dificuldades da falta de sono, a pressão diária a que estamos sujeitos, a morte, e toda a dor a que assistimos impotentes mas sempre com um sorriso de força e uma palavra de esperança no rosto para com os outros.
A vontade de chorar no trabalho. Os ataques de choro no carro e em casa (às vezes começam já no parque de estacionamento do hospital. Ver as folgas como um oásis. (depois passá-las a dormir, exausta, triste como um trapo). A vontade que dá de mandar tudo à merda quando nos pedem ainda projectos extras, e formações adicionais, e actualizações constantes e no fim ainda nos atiram com as obrigatórias certificações de qualidade. Temos que nos manter actualizados, fazer formação continua continuamente, apresentar trabalhos nas sessões cientificas do hospital, posters ou trabalhos em congressos, ser avaliados, cumprir todos os requisitos, e pelo meio aceitar tudo o que nos é imposto sem reclamar. Somos números, somos produtividade, os doentes já não são apenas doentes, são utentes ou clientes, temos gestores de camas, gestores de material e custos, auditorias, avaliações de desempenho.
Estou nas Ilhas, mas a realidade é transversal. Aí, aqui, em Alguidares de baixo ou em Freixo de Espada à Cinta é tudo igual em Portugal.
Somos números, carne para canhão, despojos em socas, com o peso do mundo em cima, agrilhoados na pior prisão de todas... com a doença e a morte ali ao lado.
Nurse Susan
Por todo este esforço, e para quem pensa que grande responsabilidade, abnegação e vocação são bem pagas. A realidade é esta...
A remuneração / hora é de 6.50. E mais 25% do valor hora aos sábados, 50% do valor hora aos Domingos e Feriados - Natal e Fim do Ano incluídos. (dão qualquer coisa como mais 26 euros por turno (3.25 euros à hora, vezes 8 horas de trabalho) ao qual vão ter ainda que deduzir todos os impostos à taxa em vigor, como tal o resultado é pouco mais do que 20 euros por prescindirmos obrigados de estarmos em família, com amigos, de vermos os filhos abrir os presentes, enfim com os nossos. No meu caso que sou enfermeira graduada com vinte anos de serviço e uma pós-graduação, a remuneração é 8.50 à hora. Há dez anos que temos as carreiras congeladas e há dez anos que não temos qualquer aumento de ordenado, nem uma décima percentual. Há 3 anos que fazemos mais 5 horas semanais, 20 horas por mês que perfazem 240 horas anuais sem receber mais um cêntimo. Se precisam de pessoal que paguem as horas a mais, nada contra.
E sim já me aconteceu vir no caminho para o hospital e os joelhos tremerem-me de tal forma que batiam no volante, e é entrar no hospital para fazer um turno e não saber se vou ter que seguir horário e a que horas vou sair, é ter coisas combinadas e ter vida para além do trabalho e ter que desistir de tudo porque tenho que cumprir mais do que devia porque assim mo exigem. É sentir medo de perder o emprego. É a pressão todos os dias. É ter medo de falhar. É calar muita coisa porque assim é preciso. É contar até dez e respirar fundo. É fechar os olhos e fingir que não vejo. É dizer siga à falta de condições de trabalho, ao material que não presta, e a tudo o que não posso mudar. É obedecer sem querer saber as razões.
E é de facto tanta coisa...