sábado, 10 de janeiro de 2015

Devo ter uma costela de antepassado britânico...





Nós somos aquilo que deixamos que a vida faça connosco. Frase minha.


Enquanto decorria a Segunda Guerra Mundial e Londres era bombardeada consecutivamente durante noites a fio, a população via-se obrigada a refugiar-se em abrigos ou nas estações do metro e tentava desesperadamente manter os seus hábitos de vida e fazer as coisas elementares que se fazem no dia a dia. Trabalhar, ir às compras, divertir-se. Contam que um dia, uma tal de Mary, (parece que no Reino Unido antigamente, e tal como por cá, não havia mulher quase nenhuma que não tivesse Maria no nome) tendo que ir trabalhar para uma Fábrica de Material de Guerra a muitos quilómetros de distancia do centro da cidade apanhava o comboio de manhã e regressava ao fim do dia. 

Ao fim do dia quando Mary se encontrava no cais de embarque aproximou-se o guarda linha e disse-lhe: 
-Mary não regresses hoje a casa - fica por cá que Londres está debaixo de um forte bombardeamento e podes ser apanhada. 
- Obrigada Sr James, mas de certeza que isso é na West London e eu moro muito mais para norte.

Entrou no comboio, sentou-se, e numa das muitas estações seguintes apareceu a Louise, uma simpática enfermeira que dava apoio num hospital da periferia e já sua conhecida de muitas outras viagens.
- Não regresses a casa. fica hoje nos subúrbios na minha, ouvi agora mesmo dizer que o Norte de Londres está a ser bombardeado em força. Há destruição por todo o lado. 
- Obrigada pela tua simpatia mas tenho que regressar ao meu lar, o Norte de Londres é muito grande e de certeza que no meu bairro não se passa nada.

Apeou-se do comboio, noite escura e caminhou debaixo de um fumo intenso e um silêncio quase assustador interrompido pelas sirenes das ambulâncias e pelo acelerar dos carros de bombeiros. Pensou para si, estou quase a chegar só vejo devastação no meu bairro mas a minha rua vai escapar. Tem escapado sempre. Deu uma corrida na ânsia de chegar, pelo inicio da sua rua vários prédios destruídos, entulho e pedaços de quotidiano de vidas espalhados pelo chão. Sei que o meu prédio vai escapar, vou chegar a casa e vou aninhar-me debaixo dos meus lençóis, amanhã tenho um dia longo pela frente pensou. Correu com mais energia ainda. 

Quando chegou ao que deveria ser o número da sua porta, olhou desolada para o que restava do seu prédio e da sua casa. Hoje não poderia aninhar-se na sua cama rodeada das suas coisas, no seu pequeno mundo. Sentiu-se de repente triste e as lágrimas saíram em catadupa acompanhadas de soluços. Passou um bombeiro que lhe ofereceu um sorriso e a tentou confortar: 
- Como eu a entendo, que grande azar!  
Desistiu de chorar. 
- Azar? Sorte! Foi uma imensa sorte a minha casa ter sido bombardeada e eu estar a trabalhar. Um grande azar era se eu estivesse lá dentro.

E continuou a chorar... lágrimas de gratidão e alegria.

E hoje é como me sinto, sem casa, sem tecto, quase sem chão, mas grata porque podia efectivamente ter uma vida com muito menos. E os abraços que acho sempre poucos são gigantes, e o tempo que me parece sempre curto é cheio de minutos de vida, e tudo o que eu acho sempre muito pouco não trocaria por nada de coisa nenhuma e o muito pouco é afinal imenso.

22 comentários:

  1. Não o diria melhor!
    Sabes porque gosto tanto de te vir ler, porque falas as palavras que o meu coração sente!
    Obrigado por existires e seres quem és!


    Beijooooooo

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    1. Sil Maria: Os dias sucedem-se tão rápido, muita coisa a acontecer, muita coisa para viver e quase que não tenho tempo para fazer tudo o que quero. Sinto-me a querer agarrar toda a água do oceano com as duas mãos.. quase toda me foge perante a minha impotência.

      Beijinhooo miúda

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  2. Que extraordinária partilha. Obrigada! <3

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    1. Carmo: Ando a procurar encontrar-me... acho que durante o ano de 2014 me perdi algures numa estrada que não sei muito bem para onde me leva...

      Beijinhooooo. Espero que já estejas boa do que te atazanava a saúde.

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  3. Normalmente agradeço tudo o que tenho e sinto que sou uma segunda por ter esse tudo...mas tem dias(como hoje) que sinto ser a pessoa mais necessitada do mundo :(

    A verdade é que por vezes somos uns insatisfeitos :)

    Bjnhs :)

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    1. Bruna: Também tenho desses dias... fico carente e sinto que me falta quase tudo. Depois volto a equilibrar-me, não deixo que as hormonas levem a melhor e sinto-me uma sortuda porque afinal o que tenho é imenso... nós é que somos um eternos insatisfeitos, nunca estamos contentes com o que temos...

      Beijinhoooooo. E aproveita cada dia como se fosse o único a que tivesses direito.

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  4. AC, há quem viva no passado, há quem viva do passado, há quem viva no futuro e há quem viva do futuro. Eu sou destes últimos, sei que o que tenho aprendido me permitirá encontrar e escolher o caminho à minha frente. E, contudo, sorrrio para o passado, porque posso não ter feito as melhores escolhas mas consegui ser feliz com o que tive :)

    Espero que esta filosofia barata te possa fazer sorrir :)

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    1. Ness: Tenho um passado rico, felizmente cheio de boas recordações, tenho um presente que fica aquém do que sonhei para mim mas que não deixo de aproveitar na integra com muita garra. Aproveito ao máximo o que tenho de bom e faço por esquecer o que afinal não tenho nem nunca vou ter e e que queria muito.... já quanto ao futuro, esqueço-me que ele existe e quando chegar lá logo vejo o que ele me reserva...

      A tua filosofia nunca é barata. É a tua.... e o que é teu para mim é um ensinamento valioso.

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    1. Anónimo: Não faço a mais pequena ideia de quem sejas... mas é sempre bom saber que alguém que não imaginamos quem seja se preocupa connosco... Estou bem sim. Ando bem. Sou uma sobrevivente. Habituada a cenários de guerra.

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    2. "E hoje é como me sinto, sem casa, sem tecto, quase sem chão, mas grata porque podia efectivamente ter uma vida com muito menos".

      A minha pergunta teve a ver com o teu post. Se calhar levei-o demasiado à letra, mas cheguei a imaginar que algo de mal poderia ter acontecido à tua casa...

      Quanto à minha identificação...eu sei que tu sabes que eu sei que ambos sabemos quem sou...ou então, sou alguém que gosta muito do teu lado solar e tem dificuldades em perceber o lado lunar...

      ;) Beijinhos

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    3. Anónimo: São as minhas hormonas, a Tpm, as duvidas ( sempre as dúvidas) as minhas inseguranças... mas continuo com saúde, com a minha casa linda para morar, o meu trabalho que me esgota mas que eu adoro, os meus amigos que não me deixam cair e um amor que não sei muito bem para onde me leva...

      resumindo...tenho uma vida. A minha.

      Lembro-me de ti muitas vezes.
      E é só isto.
      See you later aligator.

      :)))

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    4. E achas que me és indiferente?...
      ;) Cuida-te

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    5. Anónimo: Cuido sim...não sei fazer outra coisa. Cuidar.

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    6. cuida-TE.
      Gosto de TI...;)

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    7. Anónimo: Também gosto muito de ti. Um dia debatemos as razões para gostarmos um do outro sem nunca nos termos visto...Acho que dava pano para mangas:)))

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    8. Um dia debatemos...

      "Não se admire se um dia
      Um beija-flor invadir
      A porta da tua casa
      Te der um beijo e partir
      Fui eu que mandei o beijo
      Que é pra matar a saudade
      Faz tempo que eu não te "vejo"
      Eu gosto muito d'ocê..."
      (adaptado)


      ;) Beijinho

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    9. Anónimo: One day...

      Só para matar saudades.

      e-mail me.:))

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  6. A coisa está agreste por aí pelo que percebo :s Vá, força, calma e segue em frente como reza a famosa frase proferida pelo monarca nessa mesma altura de guerra.

    Beijo grande!

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    1. PM: São dias... tenho dias de uma luta imensa e de falta de cor... depois no dia seguinte o sol brilha, aquece-me o corpo, alguém por perto me faz sorrir e começo a ver o que julgava negro com outra tonalidade... è fantástico a enorme capacidade que o ser humano tem de se agarrar a tudo para ser feliz.

      Gosto muito de ti PM.
      Por muitas razões.
      Obrigada mesmo

      :)))

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  7. A inconstância da personalidade leva-nos a oscilar entre vermos o que temos e tentarmos ser felizes com isso e em pensarmos no que não temos e sermos infelizes. Não é fácil manter uma posição. A arte está em saber viver com essa "dupla personalidade".

    Beijinho AC!

    Ps - Tinha saudades de te ler.

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    1. Dali Woman: Estou aqui um bocadinho perdida na gestão da tua identidade perdida mas sei que a vou encontrar.. algures...Viver é uma arte. Viver feliz com o que se tem ao alcance é obra de génios.

      Tenho dias de grande insatisfação, tenho outros em que o coração me sai do peito com tanta alegria...

      Beijinhooo grande

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Diz aí nada ou coisa nenhuma.